Reduzir a sensação a uma ciência,
Reduzir a sensação a uma ciência, fazer de análise psicológica um método preciso como um instrumento de microscópio — pretensão que ocupa, sede calma, o nexo de vontade da minha vida...
É entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida. Nessa região indeterminada, sombria de florestas e sons de água toda, neutral até ao ruído das nossas guerras, decorre aquele meu ser cuja visão em vão procuro...
Jazo a minha vida. (As minhas sensações são um epitáfio, por de mais extenso, sobre a minha vida morta.) Aconteço-me a morte e ocaso. O mais que posso esculpir é sepulcro meu a beleza interior.
Os portões do meu afastamento abrangem para parques de infinito, mas ninguém passa por eles, nem no meu sonho — mas abertos sempre para o inútil e de ferro eternamente para o falso...
Desfolho apoteoses nos jardins das pompas interiores e entre buxos de sonho piso, com uma sonoridade dura, as áleas que conduzem a Confuso.
Acampei Impérios no Confuso, à beira de silêncios, na guerra fulva em que acabará o Exacto.
O homem de ciência reconhece que a única realidade para si é ele próprio, e o único mundo real o mundo como a sua sensação lho dá. Por isso, em lugar de seguir o falso caminho de procurar ajustar as suas sensações às dos outros, fazendo ciência objectiva, procura, antes, conhecer perfeitamente o seu mundo, e a sua personalidade. Nada mais objectivo do que os seus sonhos. Nada mais seu do que a sua consciência de si. Sobre essas duas realidades requinta ele a sua ciência. É muito diferente já da ciência dos antigos científicos, que, longe de buscarem as leis da sua própria personalidade e a organização dos seus sonhos, procuravam as leis do «exterior» e a organização daquilo a que chamavam «Natureza».
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
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