CALEIDOSCÓPIO
CALEIDOSCÓPIO
Não fales... Aconteces demasiado... Tenho pena de te estar vendo... Quando serás tu apenas uma saudade minha? Até lá quantas tu não serás? E eu ter de julgar que te posso ver, é uma ponte velha onde ninguém passa... A vida é isto. Os outros abandonaram os remos... Não há já disciplina nas coortes... Foram-se os cavaleiros com a manhã e o som das lanças… Teus castelos ficaram esperando estar desertos... Nenhum vento abandonou os renques das árvores ao cimo… Pórticos inúteis, baixelas guardadas, prenúncios de profecias — isso pertence aos crepúsculos posternados nos templos e não agora, ao encontrarmo-nos, porque não há razões para tílias dando sombra senão teus dedos e o seu gesto tardio...
Razão de sobra para territórios remotos... Tratados feitos por vitrais de reis... Lírios de quadros religiosos... Por quem espera o séquito?... Por onde se ergueu a águia perdida?
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
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