Não crendo em nada com firmeza,
Não crendo em nada com firmeza, e aceitando portanto como igualmente boas, em princípio, de onde não passam, todas as opiniões; crendo somente que a tese vale o que vale o teorista, e a emoção o que vale a expressão dela, não pude habituar-me àquele dogma literário que consiste em usar de uma personalidade. A personalidade é uma forma de crença, e, como uma crença, é impossível ao raciocinador.
Não vai distância de crer na verdade externa ao crer na interna, de aceitar como certo um conceito do mundo ao aceitar como certo um conceito de nós mesmos. Não afirmo que tudo seja flutuante, porque isso seria afirmar; mas tudo é de facto flutuante para o nosso entendimento, e a verdade desdobrando-se-nos em verdades várias, desaparece porque a não pode haver múltipla.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
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