INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA METAFÍSICA
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA METAFÍSICA
Quando tomamos o espírito por uma coisa real, ipso facto o consideramos matéria, isto é, lhe damos um lugar que pertence à matéria.
A nossa noção de realidade é da matéria, do Exterior, que nos vem.
De que ordem é, porém, a ideia que temos do nosso espírito? Não temos nós a noção de que ele é real, de que existe? Temos. Nem podemos dizer que essa noção nos é dada como sendo realidade do nosso corpo. É-nos então dado como real o nosso espírito? (Talvez que só o nosso, e não o dos outros.?)
Reparemos em que o Exterior, para nós, é dado pelo nosso espírito. Mas o nosso espírito, ao mesmo tempo, não nos é dado senão pelo Exterior. Se assim não fosse teríamos na Infância — isto é, antes de ter uma longa experiência do Exterior — tão nítida consciência de nós como na idade viril.
E do nosso grau de consciência do exterior nasce o nosso grau de c[onsciênci]a do interior. Shakespeare é, a par de um psicólogo superior, um genial [?] pré-consciente.
Qual a solução portanto? Que o nosso espírito é que cresce, da infância para a adultidade, e o mundo exterior (o problema invertido) cresce com ele e por ele? É uma hipótese.
Note-se, porém, o curioso facto de a criança se referir a si própria na 3ª pessoa quando já clara consciência tem do Exterior. Isso o que significa?
A nítida consciência do Interior não partirá de quando começa a ser científica (por assim dizer) a consciência do Exterior?
Mas o Exterior só podia ser dado como Exterior se alguma coisa o desse como tal. Sem o Interior não podia haver noção do Exterior. Mas o Interior é por isso dável como Real? Ou como Real de outra maneira, pelo menos?
Na criança há consciência. No instinto há consciência. Mas são — claramente se vê — formas impessoais da consciência. Quando, na sua última «realidade», a Consciência, na síntese da Matéria e Realidade, é inindividual.
A matéria é constituída por objectos, coisas... A C[onsciênci]a não o é. Só o conjunto (por assim dizer) da C[onsciênci]a é «real»; na matéria o conjunto não é real, não há conjunto; há partes, objectos apenas.
A ideia de que há um Universo, um conjunto da matéria, é uma aplicação à Matéria do característico da Consciência.
A Metafísica é um erro, e sempre o será; porquanto, sendo a metafísica a teia de relações entre Sujeito e Objecto, ou melhor, entre O[bjecto] e Realidade, o «facto» é que entre a Consciência e a R[ealidade] não há relação.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 251.