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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol.

L. do D.

Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol. Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei mais valeria tê-lo realmente achado. O sonho (...)

Hesito em tudo, muitas vezes sem saber porquê. Que de vezes busco uma linha recta que me é própria, concebendo-a mentalmente como a linha recta ideal, a distância menos curta entre dois pontos. Nunca tive a arte de estar vivo activamente. Errei sempre os gestos que ninguém erra; o que os outros nasceram para fazer, esforcei-me sempre para não deixar de fazer. Desejo sempre conseguir o que os outros conseguiram quase sem o desejar. Entre mim e a vida houve sempre vidros foscos: não soube deles pela vista, nem pelo tacto; nem a vivi essa vida ou esse plano, fui o devaneio do que quis ser, o meu sonho começou na minha vontade, o meu propósito foi sempre a primeira ficção do que nunca fui.

Nunca soube se era de mais a minha sensibilidade para a minha inteligência ou a minha inteligência para a minha sensibilidade. Tardei sempre, não sei a qual, talvez a ambas, a uma a outra, ou foi a terceira que tardou.

s.d.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

 - 196.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.