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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

O moço que atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular…

O moço que atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular do escritório vasto. «Que grande trovão», disse, para ninguém, com um tom alto de «bons dias», o crudelíssimo bandido. Meu coração começa a bater de novo. O apocalipse tinha passado. Fez-se uma pausa.

E com que alívio — luz forte e clara, espaço, trovão duro — este troar próximo já afastado nos aliviava do que houvera. Deus cessara. Senti-me respirar com os pulmões inteiros. Reparo que estava pouco ar no escritório. Notei que havia ali outra gente, sem ser o moço. Todos haviam estado calados. Soou uma coisa trémula e crespa: era a grande folha espessa do Razão que o Moreira virara para diante, bruscamente, para verificar.

s.d.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

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"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.