O moço que atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular…
O moço que atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular do escritório vasto. «Que grande trovão», disse, para ninguém, com um tom alto de «bons dias», o crudelíssimo bandido. Meu coração começa a bater de novo. O apocalipse tinha passado. Fez-se uma pausa.
E com que alívio — luz forte e clara, espaço, trovão duro — este troar próximo já afastado nos aliviava do que houvera. Deus cessara. Senti-me respirar com os pulmões inteiros. Reparo que estava pouco ar no escritório. Notei que havia ali outra gente, sem ser o moço. Todos haviam estado calados. Soou uma coisa trémula e crespa: era a grande folha espessa do Razão que o Moreira virara para diante, bruscamente, para verificar.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
- 134.