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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

VIAGEM NUNCA FEITA [b]

E assim escondo-me atrás da porta, para que a Realidade, quando entra, me não veja. Escondo-me debaixo da mesa, donde subitamente, prego sustos à Possibilidade. De modo que desligo de mim como aos dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que me apertam — o tédio de poder viver só o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.

Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos? De que coisa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?

Como sabeis que, viajando assim, não me segui ... mesmo obscuramente?

Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as ideias das coisas como com soldados de chumbo com os quais eu, quando menino, fazia coisas que embirravam com a ideia de soldado.

Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.

s.d.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

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"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.