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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

Assim soubesses tu compreender o teu dever…

Assim soubesses tu compreender o teu dever de seres meramente o sonho de um sonhador. Seres apenas o turíbulo da catedral dos devaneios. Talhares os teus gestos nos sonhos, para que fossem apenas janelas abertas para paisagens puras da tua alma. De tal modo arquitectar o teu corpo em arremedos de sonho que não fosse possível ver-te sem pensar n'outra coisa, que lembrasses tudo menos tu própria, que ver-te fosse ouvir música e atravessar, sonâmbulo, grandes paisagens de lagos mortos, vagas florestas silenciosas perdidas no fundo d'outras épocas, onde invisíveis homens diversos vivem sentimentos que não temos.

Eu não te quereria para nada senão para te não ter. Queria que, sonhando eu e se tu aparecesses, eu pudesse imaginar-me ainda sonhando — nem te vendo talvez, mas talvez reparando que o luar enchera de (...) os lagos mortos e que ecos de canções ondeavam subitamente na grande floresta inexplícita, perdida em épocas impensáveis.

A visão de ti seria o leito onde a minha alma adormecesse, criança doente, para sonhar outra vez com outro céu. Falares? Sim mas que ouvir-te fosse não te ouvir mas ver grandes pontes ao luar ligando as duas margens escuras do rio que vai ter ao mar — ao mar onde as caravelas são novas para sempre.

s.d.

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.