TROVAS DO BANDARRA - Interpretação de Raphael Baldaya
TROVAS DO BANDARRA
Interpretação de Raphael Baldaya
Augurai, gentes vindouras,
Que o rei, que de aqui há-de ir,
Vos há-de tornar a vir
Passadas trinta tesouras.
Sabedores que a interpretação profética é sempre tripla, temos aqui três coisas, a que aplicar o triplo sentido: o «rei que de aqui há-de ir», o «tornar a vir», e as «trinta tesouras».
O «rei, que de aqui há-de ir» é o senhor rei D. SEBASTIÃO, mas a “ida” dele tem três feições — foi a ida da independência da nacionalidade, foi a ida do próprio homem, e foi a ida do poder português, ou do império português. Assim o «tornar a vir» se conformará, por seu lado, com estas três interpretações. «Passadas trinta tesouras.» “Tesouras” refere-se a um número, e, como deve ter três interpretações, segundo a regra profética, e aqui as interpretações, como sempre do menor ao maior, são forçosamente do menor ao maior número, porque se trata de números, segue que os três números serão aqueles que possam ser representados por tesoiras. Além de que estas referências numéricas são sempre à numeração romana, acontece, ainda, que na numeração árabe não há número que se assemelhe a tesouras, isto é, que tenha dois elementos. Na numeração romana há três: o dois (II), que é como a tesoura ainda não reunida como tal, o cinco (V), que a parte de cima da tesoura reunida, e o dez (X), que a tesoura inteira aberta.
A indicação refere-se a «trinta tesouras», e vê-se que vai por “números redondos”. Diz «passadas trinta tesouras», isto é, não antes de terem passado trinta tesouras. Como o número redondo seguinte será quarenta, temos que o tempo indicado é «entre trinta e quarenta tesouras».
No caso da primeira tesoura (II, dois), isto quer dizer entre 60 e 80 anos da ida do rei, e refere-se ao facto mais material, a perda da independência. Reaver-se-ia a independência, diz o profeta, entre 60 e 80 anos depois de ir de aqui o rei. Com efeito, a independência foi reavida em 1640, 62 anos depois de 1578, que foi quando o rei “partiu”. No caso da segunda tesoura (V, cinco) temos que o tempo é entre 150 e 200 anos depois de 1578. Isto quer dizer entre 1728 e 1788. Foi entre estes anos que apareceu o Marquês de Pombal, cujo nome, por sinal, era Sebastião. Há aqui um “regresso de força”.
No caso da terceira tesoura (X, dez), o prazo indicado é entre 1878 e 1978. É entre estas duas datas que se dará a verdadeira “vinda” do rei “que de aqui” foi.
Outra interpretação (Stella) diz que as datas devem ser marcadas para logo passadas as trinta tesouras, isto é, para a tesoira 31. Isto daria, respectivamente, as seguintes datas — 1640, 1733 e 1888. A primeira está certa, a segunda [...]
Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.
- 54.