Para sentir a delícia e o terror da velocidade...
L. do D.
Para sentir a delícia e o terror da velocidade não preciso de automóveis velozes nem de comboios expressos. Basta-me um carro eléctrico e a espantosa faculdade de abstracção que tenho e cultivo.
Num carro eléctrico em marcha eu sei, por uma atitude constante e instantânea de análise, separar a ideia de carro da ideia de velocidade, separá-las de todo, até serem coisas-reais diversas. Depois, posso sentir-me seguindo não dentro do carro mas dentro da mera-velocidade dele. E, cansado, se acaso quero o delírio da velocidade enorme, posso transportar a ideia para o Puro imitar da velocidade e a meu bom prazer aumentá-la ou diminuí-la, alargá-la para além de todas as velocidades possíveis de veículos comboios.
Correr riscos reais, além de me apavorar não é por medo que eu sinta excessivamente — perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.
Nunca vou para onde há risco. Tenho medo a tédio dos perigos.
Um poente é um fenómeno intelectual.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
- 193,4.