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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

Primeiro é um som que faz um outro som,

Primeiro é um som que faz um outro som, no côncavo nocturno das coisas. Depois é um uivo vago, acompanhado pelo oscilar rasco das tabuletas da rua. Depois, ainda, há um alto de súbito na voz lavada do espaço, e tudo estremece, e não oscila, e há silêncio no medo disto tudo como um medo surdo que vê outro medo quando passado.

Depois não há mais nada senão o vento —só o vento, e reparo com sono que as portas estremecem presas e as janelas dão som de vidro que resiste.

Não durmo. Entresou.

Tenho vestígios na consciência. Pesa em mim o sono sem que a inconsciência pese... Não sou. O vento... Acordo e redurmo e ainda não dormi. Há uma paisagem de som alto e torvo para além de que me desconheço. Gozo, recatado a possibilidade de dormir. Com efeito durmo, mas não sei se durmo. Há sempre no que julgamos que é o som um som de fim de tudo, o vento no escuro, e, se escuto ainda, o som dos pulmões e do coração.

s.d.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

 - 61.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.