Uma pedra é mais interessante que um operário.
Uma pedra é mais interessante que um operário.
A dor de uma árvore que o vento abata quão mais nobre é que a angústia de um jornaleiro que morre de miséria! Ao menos morre silenciosa, salvo o (...) de quebrar-se e o baque de cair morta. Não morre dizendo asneiras sobre capitalistas exploradores e reivindicações sociais. Não é suja nem feia... E um operário mal trajado raras vezes o não é.
A funda comoção que é a alma estática dos rochedos é mais verdadeira e bela que toda a teoria socialista ou anarquista.
A canção de um rochedo pode ser asneira, pode ser que não exista. Mas as teorias humanitárias são asneiras com certeza, e sobre serem asneiras sociológicas, são asneiras de análise psicológica.
Mesmo que um monte pareça frio sempre há-de haver um poente que lhe ponha uma auréola de beleza e alheamento. E que poente nos vai dourar para pitoresco um estúpido que moureja para ganhar numa fábrica o pão de cada dia? Que ânimo orna de novidade um sub-homem que (...)
O poeta busca a beleza, não busca a (…)
E que beleza tem a dor dum proletário? Ainda quando é a dor de um aristocrata chorando...
Uma manada de operários! Se a gente [...] com demorada intensidade nauseia-se. A dor de uma mulher do povo! Uma berraria indecorosa que um ouvido musical não pode ouvir.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
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