Não sei que vaga carícia, tanto mais branda quanto não é carícia,
L. do D.
Não sei que vaga carícia, tanto mais branda quanto não é carícia, a brisa incerta da tarde me traz à fronte e à compreensão. Sei só que o tédio que sofro se me ajusta melhor, um momento, como uma veste que deixe de roçar numa chaga.
Pobre da sensibilidade que depende de um pequeno movimento do ar para o conseguimento, ainda que episódico, da sua tranquilidade! Mas assim é toda sensibilidade humana, nem creio que pese mais na balança dos seres o dinheiro subitamente ganho, ou o sorriso subitamente recebido, que são para outros o que para mim foi, neste momento, a passagem breve de uma brisa sem continuação.
Posso pensar em dormir. Posso sonhar de sonhar. Vejo mais claro a objectividade de tudo. Uso com mais conforto o sentimento externo da vida E tudo isto, efectivamente, porque, ao chegar quase à esquina, um virar no ar da brisa me alegra a superfície da pele.
Tudo quanto amamos ou perdemos — coisas, seres, significações — nos roça a pele e assim nos chega à alma, e o episódio não é, em Deus, mais que a brisa que me não trouxe nada salvo o alívio suposto, o momento propício e o poder perder tudo esplendidamente.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
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