DISSERTAÇÃO SOBRE O ARTIFICIALISMO
DISSERTAÇÃO SOBRE O ARTIFICIALISMO
1. O Conceito de Artificial. — Definir o conteúdo do termo civilização é empresa intelectual tão difícil como outra qualquer, e às dificuldades naturais de todo o definir acrescentam-se, aqui, as que promanam de se procurar esclarecer um ponto da mais complexa das ciências, a sociologia.
O exame das opiniões sobre o assunto elucida pouco salvo no que parece resultar da síntese d'elas. Somando as várias opiniões do que seja civilização, verifica-se, não certo fundo comum, mas certa divergência explicável.
É preciso não confundir os meios com que se obtém a civilização com a própria civilização que se obtém. Os meios com que se obtém a civilização são três: (1) o domínio da natureza pelo homem; (2) o domínio dos animais pelo homem; (3) o domínio do homem pelo homem. Como, porém, o domínio da natureza pelo homem é feito pela utilização e o conhecimento das leis porque essa natureza se rege (non nisi parendo vincitur); como o domínio dos animais pelo homem igualmente se baseia no conhecimento prático — e portanto, no fundo, científico, posto que empírico — da utilidade de esses animais; como o domínio do homem pelo homem não vale senão quando se estude a melhor forma de aproveitar a humanidade — resulta que, no fundo, o meio de produzir a civilização é o domínio das leis naturais, a utilização d'elas, pelo homem.
O domínio das leis naturais implica o conhecimento d'essas leis. O domínio da natureza inorgânica, dos animais, e dos homens, implica o conhecimento da natureza inorgânica, dos animais e dos homens. Implica (...)
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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