E para mim, idealista integral, o próprio mundo,
E para mim, idealista integral, o próprio mundo, o universo inteiro, não é senão um boato e um boato falso.
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A vida, toda a vida, é o eterno boato, e a morte, toda a morte, o eterno desmentido. Esperança, amor, ilusão, a crença ansiada no futuro, a confiança trémula no presente, tudo isto cessa nos seus objectos e em si. Passar é desmentir-se. Não há mais para mim do que a superfície das coisas - essa superfície forja-se nas realidades.
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Todos os caminhos do pensamento levam àquela Roma da dor, cujo supremo pontífice não dá audiências ao raciocínio, nem bulas ao sentimento.
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A mim é-me familiar o que a outros, e a raros outros, apenas em horrorosos acasos é de algum modo vagamente experiência - o sentimento do mistério e do horror intelectual do mundo. É minha inimiga do meu sangue e na minha alma quotidiana a sensação ôca de que o universo é uma pavorosa ilusão. Passou já o tempo em que este medo me era ocasional e, como um relâmpago, uma coisa de um horroroso instante. Hoje consubstancia-se com a minha vida espiritual ao ponto de me parecer estranha e não de mim a hora do espírito em que de algum modo me desenvencilho da consciência do mistério do mundo.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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