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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

E os diálogos nos jardins fantásticos que contornam...

E os diálogos nos jardins fantásticos que contornam nada definidamente certas chávenas? Que palavras sublimes não devem estar trocando as duas figuras que se assentam no lado de lá daquele bule? E eu sem ouvidos apropriados para as ouvir, morto na polícroma humanidade!

Deliciosa psicologia das coisas deveras estáticas! A eternidade tece-a e o gesto que uma figura pintada tem desdenha, do alto da sua eternidade visível, a nossa transitória febre, que nunca se fixa numa atitude nem se demora nos portões de um esgar.

Não amamos, senão que fingimos amar. O verdadeiro amor, o imortal e inútil pertence àquelas figuras em que a mudança não entra, por sua natureza de estáticas. Desde que eu o conheço o japonês que se senta na curva do seu bule não mudou ainda... Não apertou nunca as mãos da mulher que está a um distar errado dele. Um colorido extinto como de um sol desaparecido irrealiza eternamente as encostas desse monte. E tudo aquilo obedece a um instante de pena.

Que curioso deve ser o folclore do colorido povo dos painéis. Uns amores de figuras bordadas — amores de duas dimensões, duma castidade geométrica deverá ser.

s.d.

Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.

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"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.