As ideias abstractas são apenas elementos...
A. Mora:
As ideias abstractas são apenas elementos de que uma individualidade com um sistema nervoso superior carece para poder viver. Erigir essas ideias em coisas (como faz Platão) é transformar um elemento pragmático em uma entidade concreta.
À categoria das ideias abstractas pertencem as noções matemáticas e a ciência matemática portanto. (Platão caiu no erro em que cairia um matemático que, após servir‑se de um x e de um y para a solução de um problema prático, erigisse esses sinais úteis mas irreais em coisas , só porque tinham representado sem erro o seu papel pragmático de lhe servirem para um fim determinado). A matemática é então «falsa»? Não é nem falsa nem verdadeira. É simplesmente útil. Porque é útil é verdadeira em relação àquilo para que serve. A matemática é a ciência das coisas consideradas apenas numericamente. As coisas podem, com efeito, ser consideradas numericamente, porque há um (incerto) número delas. Mas as coisas são mais do que isso. A matemática é «verdadeira» porque as coisas são «verdadeiras», e elas incidem sobre um aspecto — o numérico das coisas. Do mesmo modo são «verdadeiras» as outras ciências todas, desde a física até, naturalmente à astrologia. ( 1 )
( 1 ) A numerologia ou aritmética em todos os tempos querida dos místicos, por ser todo o aspecto de uma ciência e toda a abstracção de uma metafísica.
A ideia de ciência — a estudar isso.
Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).
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