Custa-me um chumbo dos sentidos o mover-me...
Custa-me um chumbo dos sentidos o mover-me com os pés para onde moro. A carícia do apagamento, a flor dado do inútil, o meu nome nunca pronunciado, o meu desassossego entre margens, o privilégio de deveres cedidos, e, na última curva do parque avoengo o outro sonho [?] como um roseiral.
Alastra ante meus olhos saudosos a cidade incerta e silente.
As casas desigualam-se num aglomerado retido, e o luar, com manchas de incerteza, estagna de madrepérola os solavancos mortos da profusão. Há telhados e sombras, janelas e idade média. Não há de que haver arredores. Pousa no que se vê um vislumbre de longínquo. Por sobre de onde vejo há ramos negros de árvores, e eu tenho o sono da cidade inteira no meu coração dissuadido. Lisboa ao luar e o meu cansaço de amanhã!
Que noite! Prouvera a quem causou os pormenores do mundo que não houvesse para mim melhor estado ou melodia que o momento lunar destacado em que me desconheço conhecido.
Durmo, e nem brisa, nem gente interrompe o que não penso. Tenho sono do mesmo modo que tenho vida. Só que sinto nas pálpebras, como se houvesse o que fazer-mas pesar. Ouço a minha respiração.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
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