Nos mais (...) momentos do meu tédio,
Nos mais (...) momentos do meu tédio, quando mais completamente me cinge a angústia do momento actual assalta-me o desejo violento de me desejar em outras vidas, vivendo outras almas, outras sensações.
Ora me sonhava dormir (...) num leito de província, em Janeiro, sentindo cair lá fora a chuva, muita chuva, enquanto eu me sentia bem, conversando num gasalho idiota de alma e corpo (...)
E mesmo nesses sonhos, como depois de os sonhar me acompanha uma saudade deles, uma saudade ácida, árida e dolorosa a um ponto que não se imagina. Dói-me a alma para além do tédio doloroso durante e no regresso dessa viagem de sonho.
Sinto como se tivesse atravessado o mistério da vida na sua íntima essência e permaneço no mesmo tédio (...) mais profunda e gelidamente cansado.
Livro do Desassossego.Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
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