O facto, porém, é que a liberdade em si nada vale;
O facto, porém, é que a liberdade em si nada vale; valem duas coisas relacionadas com ela. A primeira é o fim a que visa, que é a acção útil do espírito construtivo. A segunda é a conquista da liberdade.
As grandes épocas da história são aquelas em que os povos lutaram pela liberdade, não aquelas em que eles a obtiveram; que estas só estão acima das épocas de baixo despotismo, e estão acima, talvez, apenas pelo conforto, e por mais nada. Pode o leitor buscar na história os exemplos que quiser. Um só bastará, que citemos. Qual é a época mais valiosa na história inglesa, mais produtora de grandes homens e de grandes coisas: a actual, em que a liberdade está conquistada, ou a que vai da época de Henrique Oitavo à de Carlos Segundo, onde se travaram os combates pela liberdade? Mesmo a época actual, com as liberdades conseguidas, valerá, em qualquer campo salvo no das liberdades conseguidas, a época contemporânea da Revolução Francesa e que acabou, propriamente, na Reforma Parlamentar de 1832?
Há, porém, a distinguir. É fecunda a época em que se combate contra uma opressão verdadeira, contra uma opressão que viola a acção das leis sociais; não é fecunda aquela em que se combate contra uma opressão que não é, afinal, senão a das próprias leis sociais. Por isso o combate contra Carlos I em Inglaterra foi fecundo, e não o é o combate contra o capitalismo e contra a propriedade individual, que se tenta hoje.
Liberdade é um termo negativo: significa ausêsncia de opressão, ausência de compulsão directa. Erigir em princípios positivos elementos puramente negativos, higidamente negativos, foi o erro da Revolução Francesa. Por isso todo o combate contra a opressão verdadeira é um combate pela liberdade; ao passo que um combate pela opressão suposta é apenas um combate pela indisciplina.
A liberdade, no sentido de liberdade individual, é um erro; a liberdade que vale é a liberdade colectiva, ou, melhor, a liberdade que consiste na igualdade perante a lei, na liberdade de cada qual no seu mister, e na (…)
Mas, uma vez conquistada a liberdade hígida, ninguém pode mandar os povos parar na marcha, que a seguir começam, para uma liberdade mórbida. Enquanto houver mundo há leis que pesam sobre nós, e, criado que seja o espírito de revolta, que é da substância do homem social, não o poderemos (como não podemos) fazê-lo parar; haverá essa marcha, conseguida a liberdade real, para a fictícia, porque, tornada positiva a ideia de liberdade, ela breve se apresenta como fim, em vez de meio, e o homem passa a buscar ser livre em aquelas coisas onde a própria constituição da sociedade não permitte que ele o seja. E assim começa a decadência. Porque a decadência é inevitável nas sociedades, como a morte em tudo quanto vive, e o que é composto de vidas, forçosamente que vive, seja organismo o nome que lhe demos, seja pessoa social, seja outro nome qualquer.
O progresso indefinido é um dos mais absurdos, anti-históricos e anti-científicos dos dogmas revolucionarios.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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