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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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António Mora

DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO

DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO

Consideramos religiosos casos como o de Shelley, de Carlyle...

Religião é uma atitude do espírito que é

(1) um conhecimento do desconhecido

(2) uma afirmação (isto é, uma metafísica céptica, ou ateísta não é religiosa)

(3) um sistema que não analisa as ideias de que parte, mas as aceita, sem querer apurá-las. (Se não, trata-se de um mero sistema metafísico, com mais ou menos semelhança com uma atitude religiosa). De aí o tendermos a considerar religiosas obras metafísicas vagas. É que falta aquela discussão dos fundamentos que distingue uma metafísica duma atitude religiosa.

A metafísica começa com o espírito crítico. É fácil a metafísica passar para atitude religiosa. Muitas metafísicas não passam de religiões individuais.

Uma metafísica é tanto mais religião quanto mais os seus princípios arbitrariamente assentes são tirados da religião vulgar: como de Carlyle.

Ora uma religião - isto é, uma metafísica em bases - pode ter uma de três causas:

(1) uma «intuição», isto é, o metafísico assenta em determinados princípios porque os considera acima ou fora da lógica, atingíveis por um outro sentido, que não a inteligência.

(2) uma autoridade - isto é, o indivíduo aceita de fora, de outrem, esses fundamentos, sem os discutir; tal o caso da apologética religiosa.

(3) uma revelação - i[sto] é, conhecimento que se supõe recebido a maneira do exterior, mas ou dum outro exterior que não a natureza, ou de outra maneira, como que por outros sentidos, ou, ainda que pelos mesmos sentidos, numa ocasião especial e formando um milagre.

Ora destes 3 fenómenos só um nos dá o sentido social da religião: é a autoridade. A religião (social) é aquela que se definiu, aceite por imposição daqueles que constituem autoridade para quem a recebe.

Condições de aceitação social de uma religião: (a) ligar-se ao sentimento social geral, isto é, à síntese mais vulgar em as almas dos fenómenos sociais da época; (b) (...)

Condições de originação de uma religião:

(A) transformações sociais, porque estas envolvem:

(a) perturbações que causam uma insegurança geral, e uma necessidade de fugir à realidade, o que o geral dos homens só pode fazer com emoções, e não com acto ou pensamento, (b) uma decadência e, portanto, uma geral receptividade nervosa maior, (c) uma desagregação do estado social e, portanto, uma alteração, incerteza e perturbação nas ideias gerais nascidas desse estado ou fórmula social e, portanto co-fixas com ele. - Estes fenómenos são necessários para que uma religião possa surgir, mas, sendo só eles, ela não surgirá; transformar-se-á, apenas, aquela que existe.

(B) Contactos culturais (com outras religiões), porque estes (a) aguçam, sobretudo nas camadas superiores, o espírito crítico (aliás anormalmente forte nas decadências) e, ao mesmo tempo que arruinam a fé estabelecida, chamam a atenção para as crenças estranhas; (b) (…)

s.d.

Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

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N. do A.: «Prolegómenos».