O amor da pátria e o escrúpulo da verdade são,
O amor da pátria e o escrúpulo da verdade são, de ordinário, amigos que
bastas vezes se desavêm. Digo que são amigos, porque são - ambas as coisas - sentimentos de feição altruísta. Digo que bastas vezes se desavêm, porque o que mais custa é querer encarar a verdade em assuntos onde a verdade pode ferir.
Precedo este opúsculo de considerações, como estas, porque vou nele defender uma tese que não só vai contra a opinião da maioria dos meus compatriotas - o que seria de importância mínima -, mas - e é isto que deveras importa - contra os próprios interesses da minha pátria. Como, porém, eu creio que a verdade se deve dizer sempre, escrevo sem hesitação este opúsculo. Ainda se eu julgasse, com estulta incompetência de compreensão, que ele poderia ter qualquer efeito sobre as decisões dos meus compatriotas, talvez o não publicasse. Mas a triste situação, entre nós, dos homens que pensam, de fazer obra inteiramente desaproveitada, fazendo arte sem querer, faz com que me não demore um momento em considerar os inconvenientes de escrever este opúsculo.
Além disso, cumpre que se observe que podemos perfeitamente combater um homem ou uma nação, cuja razão em nos ser inimigo reconhecemos. Por isso eu não peço, nem sugiro sequer, que Portugal seja neutral nesta guerra. De modo algum encaro o problema sobre o ponto de vista português, que é insignificante, deveras, na acção vasta desta guerra. Procuro neste opúsculo justificar a Alemanha, dar-lhe razão nesta guerra; procuro fazê-lo porque estou convencido de que ela tem razão.
O meu procedimento é o dum pensador, não o dum patriota. Nenhum homem de pensamento pode proceder como patriota em Portugal contemporâneo. O destino da nossa terra está nas mãos de homens da mentalidade de escravos que se encontram dominadores, de cristãos disfarçados de espíritos libertos, de gente que, do mando, nem sequer tem a clareza de alma para mandar. Nenhum homem superior pode colaborar na obra nacional. O único escrúpulo do português, hoje, deve ser fazer obra para a civilização em geral, tentando a única coisa possível - levantar a sua Pátria no conceito da Europa pelo alevantado dos pensamentos, pelo novo e justo dos conceitos que põem em escrito. Esta obra, por isso, é destinada, não aos portugueses em geral, que a não saberiam compreender, dizendo-a apenas, quiçá, de um espírito vendido à Alemanha; ela destina-se a esclarecer, no espírito de quantos se achem interessados por compreender os problemas que esta guerra levantou, qual seja a significação profunda das forças aparentemente cegas que se degladiam agora na vasta arena do nosso continente.
Ela não visa a outro fim.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 399.N. do A.: «Alemanha».