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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O imperialismo de expansão tem um sentido normal,

Introdução ao estudo do problema nacional (ou Império)

O imperialismo de expansão tem um sentido normal, para que cumpra os seus fins civilizacionais, em ir ocupar territórios, ou desertos, ou povoados apenas por povos fora da civilização. Esse imperialismo comporta três graus, sendo mais justificado no primeiro que no segundo, no segundo que no terceiro.

Há, em primeiro lugar, a ocupação - obedecendo à natural necessidade de o povo se expandir - de territórios ou desertos, ou povoados por populações ou primitivas ou selvagens. Neste caso estão territórios em que as condições climáticas são de ordem a não poder produzir uma raça autóctone capaz de se civilizar e progredir. O caso do Brasil é típico. Confirma, como já se apontou (J. M. R.) o conceito de Buckle, de que os territórios sujeitos a excessos climáticos, como o calor intenso e a humidade excessiva, não são aptos a criar raças autóctones susceptíveis de civilização. São estes os territórios que um imperialismo expansivo tem, absolutamente, direito de ocupar. O seu destino, mesmo, está na ocupação desses territórios. O imperialismo implica, conforme provámos, a criação preliminar de um ideal nacional; a criação de um ideal nacional envolve uma fixação racial. Por isso, nesses territórios por si incapazes de gerar uma raça civilizável tem, para que neles haja civilização, que aparecer um povo já civilizado - isto é, não apenas em processo de civilização, mas com uma nacionalidade psíquica inteiramente definida.

Em segundo lugar, há a ocupação de territórios habitados por povos, não já selvagens ou incivilizáveis, mas degenerados de uma civilização antiquíssima. É o caso da Índia - talvez, mesmo, o caso do México, tal qual os espanhóis o encontraram. Aqui, não há já a mesma simplicidade no direito, que o povo expansivo tenha, de ocupar estes territórios. Recordemo-nos sempre que o fim de colonizar ou ocupar territórios não é civilizar a gente que lá está, mas sim levar para esses territórios elementos de civilização. O fim não é altruísta, mas puramente egoísta e civilizacional. É o prolongamento da sua própria civilização que o imperialismo expansivo busca e deve buscar; não é, de modo algum, as vantagens que daí possam advir para os habitantes desse país. A escravatura é lógica e legítima; um zulu ou um landim não representa coisa alguma de útil neste mundo. Civilizá-lo, quer religiosamente, quer de outra forma qualquer, é querer-lhe dar aquilo que ele não pode ter. O legítimo é obrigá-lo, visto que não é gente, a servir os fins da civilização. Escravizá-lo é que é lógico, o degenerado conceito igualitário, com que o cristianismo envenenou os nossos conceitos sociais, prejudicou, porém, esta lógica atitude. Povos, como o inglês, hipocritizaram o conceito, e assim conseguiram servir a civilização.

Em terceiro lugar há aquela última forma do imperialismo de expansão que consiste em querer dominar povos ou igualmente civilizados, mas mais fracos ou menos hábeis em se defender ou fazer a guerra; ou povos menos adiantados na civilização, mas pertencentes ao mesmo esquema civilizacional que o pretenso dominador. É caso como o da Alemanha querer apossar-se da Holanda e da Bélgica. Aqui o imperialismo de expansão transforma-se em imperialismo de domínio. É de expansão, porque trato desse imperialismo, quando exercido por uma nação sobrepovoada.

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

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