Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Como todos os governos radicais, o governo provisório era fraco de disciplina,

Considerações pós-revolucionárias

Como todos os governos radicais, o governo provisório era fraco de disciplina, de diplomacia e de união (concordância). Nada fez — além do despiciendo, por elementar e imprescritível, de manter a ordem —, para disciplinar o país; nada para lhe tornar firme a situação internacional; nada para seguir uma política patriótica, suprapessoal, coerente e em acordo, não com os pedidos da ocasião [?] mas com as circunstâncias do momento. Nato, em princípio, apenas para pré-legislativamente consolidar as instituições, devia a sua tarefa ter-se resumido a dissolver os elementos adversos à república, quer reaccionários ou republicano-radicais, a absorver os elementos aproveitáveis e úteis do extinto regime e, feito isto, disciplinar, orientar e moralizar, no que com o exemplo de um são governar se moraliza aqueles em quem, então, se apoiaria. Teve um momento, um só, para empreender essa obra — o momento de benevolência e expectativa que à revolução se seguiu. Perdeu esse momento pela sua desorientação radicalista, pela sua incompetência intelectual e pela sua desunião interna.

Isto, porém, como todo o podia-ter-sido, não é senão uma hipótese para diversão de quem pensa. Porque a análise sociológica dos antecedentes sociais do primeiro ministério da República não dá como possível outra orientação senão a que veio a ter esse governo, nem a ida ao poder de outros homens que não aqueles, e daquele género e naquelas condições, que foram ao poder.

Resulta pois que apenas um homem de génio governamental podia ter salvo a situação; mas um homem de génio governamental não era socialmente possível, se nas condições actuais do país, não decerto no momento e em evidência para a ocasião.

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

 - 36.