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Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Cartas a João Gaspar Simões -1 Nov. 1931 ]

Apartado 147.

Lisboa, 1 de Novembro de 1931.

Meu querido Gaspar Simões:

Muito obrigado pela sua carta de 10 de Outubro. Não eram precisas tantas explicações sobre o passado da não publicação do Hino a Pã. Eu calculava perfeita­mente essas mesmas razões; o que queria era saber se sairia agora, no próximo número da Presença.

Tive ontem um grande prazer – a visita do Hour­cade. Tenho pena que não seja possível falar-lhe mais vezes, como a si e ao Régio. O Hourcade, em todo o caso, diz-me que virá a Lisboa todos os meses, e isso é alguma coisa. V., suponho, raras vezes aparece por aqui? Quando vier, peço que me avise, com antecedência sendo possível, ou, não sendo possível, para os lugares comer­ciais cuja indicação já lhe dei numa carta antiga.

O Hourcade não me pôde informar decisivamente sobre quando sairia o próximo número da Presença. Não sei, portanto, se poderei enviar-lhe a tempo cola­boração propriamente minha, ou dos fantasmas. Hoje e amanhã são para mim dias de máquina de escrever: tenho que passar a limpo um prefácio para um livro de versos portugueses de um judeu russo , e tenho que passar a limpo vários trechos do ajudante de guarda­-livros para a revista Descobrimento. Poderia enviar-‑lhe colaboração na terça-feira. Não sei se será tarde; em todo o caso, enviá-la-ei.

Indiquei ao Hourcade, pedindo que lho comuni­casse, que há um lapso verbal na minha tradução do Hino a Pã. O verso «E da coxa áspera o dom erecto» deve ser «E da coxa áspera o Toque erecto», sendo a palavra Toque escrita com maiúscula. Repito aqui a indicação, pedindo-lhe que faça a emenda. Se, por acaso, fosse possível eu ver as provas desta tradução, muito lhe agradeceria a possibilidade. Não é que eu precise ver provas da colaboração que envio – já lhe disse que confio absolutamente na vossa revisão; é que queria remeditar a tradução, para ver se nalgum ponto menor a terei que emendar. A colaboração, que tenciono enviar-lhe na terça-feira, é um trecho do guarda-livros, de índole diferente dos que escolhi para o Descobrimento, e uma breve composição do Álvaro de Campos.

Aguardo com muito interesse o seu novo livro. Tomara eu (em outra ordem de aguardar) poder algum [dia] dizer que eu mesmo aguardo um livro real. Mas já o meu confrade William Shakespeare, pessoa de al­guma categoria ante os Deuses, sofria da mesma doença do outro lado da alma...

Recomende-me ao José Régio quando o vir ou lhe escrever, e creia sempre na amizade reconhecida e na admiração do

                    muito seu,

               Fernando Pessoa .

1-11-1931

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).

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