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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Cartas a João Gaspar Simões - 3 Dez. 1931]

Apartado 147.

Lisboa, 3 de Dezembro de 1931.

Meu querido Gaspar Simões:

Muito e muito obrigado pelo seu livro, que recebi no dia 1. Queria escrever-lhe depois de o ter inteiramente lido e meditado, relendo, até, e mais atentamente, o que nele há de reproduzido da Presença e já meu conhecido. Mas essa leitura só pode ser honestamente feita na semana que vem. Prefiro, pois, desde já sim­plesmente lho agradecer, deixando para depois da tal leitura mais atenta os comentários, quaisquer que se­jam, que me ocorrerem, e me parecer de qualquer utili­dade comunicar-lhe. Nessa altura farei os comentários de há muito prometidos sobre o estudo, inserto neste livro, que me diz respeito.

No decurso do fenómeno físico de abrir o livro e percorrer aqui e ali esta ou aquela página, fiquei – desde já lho digo – com a mesma agradável impressão do seu espírito que tenho sempre tido. Em outras palavras, parece-me que este livro em nada deverá desviar-se do caminho intelectual que v. começou traçando, admira­velmente, no seu livro anterior. Faço, mas sob reserva de emenda possível, uma reserva: no relance, pare­ceu-me que v. tendia para querer explicar de mais. Na carta, que de aqui a dias lhe escreverei, esclarecerei esta frase, se a não tiver que retirar.

E, desde já, uma observação adversa, mas amável, colhida de uma nota que li no decurso do fenómeno físico acima indicado. Refiro-me à nota em que se des­culpa de citar, a propósito do José Régio, vários autores célebres, em sentido de comparação psicológica. Não se ofende v. decerto que, valendo-me da triste vantagem que tenho em ter quase o dobro da sua idade, lhe dê um conselho. Conselho importuno, tanto por ser conse­lho, como porque v. mo não pediu. Mas dou-o transla­tamente, e servindo-me da indicação magisterial de não sei que diplomata francês. Disse ele: Nunca explicar, nunca se desculpar, nunca se arrepender. Meu querido Gaspar Simões, nunca peça desculpa de nada, sobretudo ao público. E quem lhe diz que a história definitiva da literatura não levará o José Régio tão alto, ou mais alto, que o Tolstoi ou o André Gide, ou quem mais v. citasse? Não me custa nada a admitir essa possibilidade, sobre­tudo em quem, sendo tão jovem como o Régio, já tanto conseguiu adentro da sua sensibilidade. De resto – admito – nunca pude ler o Gide, e, quanto ao Tolstoi, basta ser russo para eu ter dificuldade em dar por ele.

Até já. E um abraço de amigo e de admirador do seu muito dedicado e grato,

               Fernando Pessoa

3-12-1931

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).

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