O nosso tempo, em que tantas actividades complexas se desenvolvem,
O nosso tempo, em que tantas actividades complexas se desenvolvem, criou profissões novas, algumas estranhíssimas. Mas entre elas ainda não apareceu uma que é muito precisa — a de professor de leitura para as pessoas que já sabem ler.
Esta observação não é um disparate. Um grande número de pessoas — a maioria, talvez, se víssemos bem — são absolutamente desatentas: nem vêem o que vêem, nem lêem o que estão lendo.
É extraordinário o número de negócios que se demoram, se complicam inutilmente, ou, até, se enredam com gravidade, por o comerciante se não dar ao trabalho de ler o que lhe escrevem. Depois responde concordando com o que não se lhe propôs, ou perguntando o que já está dito. Todo o homem de negócios deve ler as cartas que recebe palavra a palavra e atentamente.
A correspondência comercial deve ser lida em sossego e sem interrupção, nem no meio de uma carta, nem mesmo entre carta e carta, para que não se perca a continuidade da atenção. Lida cada carta, deve fazer-se um rápido, e instintivo, esboço mental do sentido do seu conteúdo. O comerciante tem pressa? Lê depois, quando tiver vagar. Nunca tem vagar? Se não tem vagar para trabalhar, o que é que lhe tira o vagar?
Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986.
- 155.1ª Publ. in Revista de Comércio e Contabilidade, nº 3. Lisboa: 25-3-1926.