Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

[Cartas a João Gaspar Simões - 12 Maio 1932]

Apartado 147.

Lisboa, 12 de Maio de 1932.

Meu querido Gaspar Simões:

Tenho tido notícias suas pelo Hourcade; por duas vezes as tive. Tive, a princípio, receio de que, de qual­quer modo evidentemente involuntário, o houvesse, não direi ofendido (pois isso v. não suporia possível), mas molestado pelos meus reparos, rápidos mas extensos, na carta pseudocrítica que em tempos lhe escrevi. O Hour­cade, porém, tranquilizou-me; disse-me, também, que v. tencionava escrever-me uma carta extensa em resposta. Não perca tempo com isso. A minha carta não era um artigo publicado, que, por tal ser, em qualquer modo o obrigasse, ou parecesse que obrigava, a uma resposta. Faça para si mesmo a crítica, aceitando ou rejeitando, da minha crítica, e não vá perder tempo em comentá-la. Isto não quer dizer que não recebesse com muito inte­resse uma carta sua naquele sentido. Mas não se julgue obrigado a escrevê-la.

Não tenho neste momento colaboração nenhuma ajeitada à publicação. Digo isto porque o Hourcade me falou em mandar qualquer coisa para o próximo número de Presença. Enviarei mais tarde, e para outro. Tenho estado estes últimos meses, intelectualmente, em licença sem vencimento. Tenho escrito, de facto, alguma coisa, mas o que tenho escrito está sob a designação oficial que acima empreguei.

Tenho seguido, e com interesse, a sua controvérsia com o António Sérgio; naturalmente v. responde ao úl­timo artigo dele. Espero com interesse a sua resposta. Não tenho direito algum de lhe dar um conselho, nem que v. mo pedisse, mas, talvez por isso mesmo, lho dou: responda como se não houvesse António Sérgio, abstracta e descarnadamente, como se discutisse, em termos geométricos, com Euclides, há muito falecido.

Encontrei hoje o actor, ou antigo actor, Araújo Pereira, que me mostrou grande interesse em ter (isto é, comprar) uma colecção da Presença, para fins, ao que conclui do que ele me disse, de representar ele­mentos dramáticos que nela vêm, e de fazer recitar ou­tros. Disse-me ele que tinha feito o pedido através de livrarias, mas que lhe disseram que nada se podia obter. O «nada» é evidentemente exagero. Acho interessante comunicar-lhe esta observação, e creio que vocês devem escrever-lhe, citando o meu nome como elemento de relação, e dizendo os números da Presença que podem fornecer, e a quanto. Ponham isso em termos comer­ciais, pois não há razão para o pôr em outros. O Araújo Pereira mora na Rua n.º 4, ao Bairro Garrido, D. C. e S., 4.º D., Lisboa. Chamei-lhe, no princípio deste pará­grafo, «actor, ou antigo actor», o que ele de facto é; mas creio que tem presentemente uma situação de pre­dominância, aliás justa, em matéria de representar coi­sas. Prometi-lhe que escreveria hoje mesmo para vocês, e cumpro. Se v., por qualquer razão, preferir escre­ver-me, a mim, o que diria em resposta ao Araújo Pe­reira, escreva‑me, que eu lho transmitirei.

Peço que me recomende ao Pierre Hourcade, e ao José Régio também, se com ele comunicar, e creia sem­pre na amizade grata e na admiração do

                    muito seu,

               Fernando Pessoa.

12-5-1932

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).

 - 85.