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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Alberto Caeiro

XLVIII - Da mais alta janela da minha casa

XLVIII

 

Da mais alta janela da minha casa

Com um lenço branco digo adeus

Aos meus versos que partem para a humanidade

 

E não estou alegre nem triste.

Esse é o destino dos versos.

Escrevi-os e devo mostrá-los a todos

Porque não posso fazer o contrário

Como a flor não pode esconder a cor,

Nem o rio esconder que corre,

Nem a árvore esconder que dá fruto.

 

Ei-los que vão já longe como que na diligência

E eu sem querer sinto pena

Como uma dor no corpo.

 

Quem sabe quem os lerá?

Quem sabe a que mãos irão?

 

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.

Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.

Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.

Submeto-me e sinto-me quase alegre,

Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

 

Ide, ide, de mim!

Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.

Murcha a flor e o seu pó dura sempre.

Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

 

Passo e fico, como o Universo.

s.d.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

 - 71.

“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.