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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O primeiro passo é que custa. O segundo também.

Considerações pós-revolucionárias

O primeiro passo é que custa. O segundo também. Cada um de seu modo. O primeiro custa porque é difícil começar. Custa o segundo porque continuar é difícil. Analisando bem, continuar é mais propriamente difícil do que iniciar. As qualidades para iniciar podem não ser mais do que audácia e convicção. Ora para continuar têm de ser, pelo menos, com a mesma convicção, persistência, sabedoria e tenacidade, para não falar em honestidade e cultura. Um acto de força é difícil; mas ninguém negará que um de administração ainda é mais.

Importa também ver o que a lei da divisão do trabalho social — mais vasto do que muitos julgam — impõe. Impõe que os que fazem uma revolução não sejam os que consolidam o que a revolução implantou.

O primeiro erro dos nossos "radicais" é que a sua ignorância da sociologia os leva a isto. Não vêem que, enquanto [...] de Campos, revolucionário, era mais apto para implantar a república do que o marechal Freire de Andrade, que não queria, para a consolidar é mais apto F[reire] de A[ndrade], desde que a aceitasse [?]. É que esse, por republicano sincero que seja, é um republicano, e o seu papel social revolucionário; e o outro é um homem de ordem e o seu papel social é construir e consolidar. Porque o mero construir consolida. E os nossos radicais, sem o saberem... Também não o saberiam?

Na opinião dos "radicais" isto é ser conservador, Poder-se-á argumentar, e com razão, que eles nenhuma noção têm do que seja ser conservador. O caso, porém, não é esse (...)

Os infiéis que protestaram contra um discurso do doutor Cunha e Costa, os sabujos que apuparam o bispo do Porto, a canalha que assaltou os jornais monárquicos, os idiotas que berraram contra a conservação, em Moçambique, ou em campos de confiança, do senhor Freire de Andrade — tudo isto é do elemento antigamente mais útil, e naturalmente mais nocivo da vida nacional.

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

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