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Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Bem, hoje que estou só e posso ver

Bem, hoje que estou só e posso ver

Com o poder de ver do coração

Quanto não sou, quanto não posso ser,

Quanto, se o for, serei em vão,

Hoje, vou confessar, quero sentir-me

Definitivamente ser ninguém,

E de mim mesmo, altivo, demitir-me

Por não ter procedido bem.

Falhei a tudo, mas sem galhardias,

Nada fui, nada ousei e nada fiz,

Nem colhi nas ortigas dos meus dias

A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre porque o pobre é rico

Em qualquer coisa, se procurar bem,

A grande indiferença com que fico.

Escrevo-o para o lembrar bem.

2-7-1931

Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990).

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