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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O mundo, (a) que chamamos externo — por oposição ao outro,

O mundo, (a) que chamamos externo — por oposição ao outro, porventura não menos externo em que nos surgem como nossos os fenómenos da consciência (de nós próprios) — aparece-nos essencialmente como um número indefinido de coisas ou objectos ou elementos, mais ou menos diferentes entre si, e manifestando-se-nos, em oposição àquele outro «mundo» a que podemos chamar interno, pela ocupação do que chamamos espaço .

São estes dois conceitos — o de número e o de espaço — os dois fundamentos em que a experiência essencial assenta sua determinação e seu conhecimento do mundo (a que chamamos) externo. Aparecem-nos como não só ambos essenciais, senão também co-essenciais a essa experiência obbjectiva. Se consideramos o número, de per si e como conceito logicamente anterior ao, e por isso concebido independentemente do espaço, não temos, ao concebê-lo, um conceito de mundo externo, senão apenas o conceito abstracto de número; ideia não já (...) senão metafísica, conceito análogo ao que Pitágoras formava do mesmo número, e Platão de todas as ideias a que em lógica chamamos gerais.

Considerado, também, o espaço sem número, isto é, sem número de objectos que o ocupem e nele se «manifestem», fica-nos um conceito abstracto de espaço concretamente impensável, vácuo puro, abstracto, mera possibilidade de mundos; nem mesmo definível como extensão; pois, sendo o puro «lugar onde», porém, aparecendo-nos sem limite, partes (pois que seriam números abertos nele) ou composição, (...) em nada o poderemos distinguir — salvo no nome, que não é nada — do conceito análogo de tempo, sem análogo no mundo interior nosso.

Discorremos, em tudo isto, física que não metafisicamente. Metafisicamente todos os conceitos são possíveis, ainda que envolvam contradição; pois que a metafísica improvável e inverificável determinadamente, se ocupa, não de tal existência, senão da existência em si, do ser considerado só como ser — e como da existência em si, nada sabemos de certo, ignoramos portanto poder admitir, que inclua, ou mesmo seja essencialmente, contradição ou negação de si, ou mesmo coisa nenhuma.

s.d.

Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.

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