O mundo, (a) que chamamos externo — por oposição ao outro,
O mundo, (a) que chamamos externo — por oposição ao outro, porventura não menos externo em que nos surgem como nossos os fenómenos da consciência (de nós próprios) — aparece-nos essencialmente como um número indefinido de coisas ou objectos ou elementos, mais ou menos diferentes entre si, e manifestando-se-nos, em oposição àquele outro «mundo» a que podemos chamar interno, pela ocupação do que chamamos espaço .
São estes dois conceitos — o de número e o de espaço — os dois fundamentos em que a experiência essencial assenta sua determinação e seu conhecimento do mundo (a que chamamos) externo. Aparecem-nos como não só ambos essenciais, senão também co-essenciais a essa experiência obbjectiva. Se consideramos o número, de per si e como conceito logicamente anterior ao, e por isso concebido independentemente do espaço, não temos, ao concebê-lo, um conceito de mundo externo, senão apenas o conceito abstracto de número; ideia não já (...) senão metafísica, conceito análogo ao que Pitágoras formava do mesmo número, e Platão de todas as ideias a que em lógica chamamos gerais.
Considerado, também, o espaço sem número, isto é, sem número de objectos que o ocupem e nele se «manifestem», fica-nos um conceito abstracto de espaço concretamente impensável, vácuo puro, abstracto, mera possibilidade de mundos; nem mesmo definível como extensão; pois, sendo o puro «lugar onde», porém, aparecendo-nos sem limite, partes (pois que seriam números abertos nele) ou composição, (...) em nada o poderemos distinguir — salvo no nome, que não é nada — do conceito análogo de tempo, sem análogo no mundo interior nosso.
Discorremos, em tudo isto, física que não metafisicamente. Metafisicamente todos os conceitos são possíveis, ainda que envolvam contradição; pois que a metafísica improvável e inverificável determinadamente, se ocupa, não de tal existência, senão da existência em si, do ser considerado só como ser — e como da existência em si, nada sabemos de certo, ignoramos portanto poder admitir, que inclua, ou mesmo seja essencialmente, contradição ou negação de si, ou mesmo coisa nenhuma.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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