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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Dá-me as mãos por brincadeira

Dá-me as mãos por brincadeira

Na dança que não dançamos,

Porque isso é uma maneira

De dizer o que pensamos.

Dá-me as mãos e sorri alto,

A vigiar o que rio,

Bem sabes que assim já falto

A pensar coisas a fio.

Não quero largar as mãos

Assim dadas por brinquedo.

Deixa-as ficar: há irmãos

Que brincam assim a medo.

Não largues, ou faz demora

A arrastar, a demorar,

As mãos pelas minhas fora,

E já deixando de olhar.

Que segredos num contacto!

Que coisas diz quem não fala!

Que boa vista a do tacto

Quando a vista desiguala!

Deixa os dedos, deixa os dedos,

Deixa-os ainda dizer

Aqueles dos teus segredos

Que não podes prometer!

Deixa-me os dedos e a vida!

Os outros dançam no chão,

E eu tenho a alma esquecida

Dentro do teu coração.

Todo o teu corpo está dado

Nas tuas mãos que retenho.

Mais vale ter enganado

Do que ter porque não tenho.

28-10-1930

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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