O melhor regime político é aquele que permita com mais segurança...
O melhor regime político é aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê-lo. E escusado acentuar que esse regime variará de nação para nação, e, em cada nação, de época para época.
Sucede com o regime democrático que, tendo, por sua mesma natureza, a primeira vantagem, é, por essa mesma natureza, o pior com respeito à segunda. A sua base liberal, dando azo a que as forças individuais se expandam sem constrangimento, garante a plena valorização destas forças, quanto nelas caiba. Mas o basear o seu sistema de governo num apelo a minorias, forçosamente ignorantes e incultas — ou absolutamente, ou pelo menos, em relação ao resto do país — faz com que o acesso ao poder seja quase limitado a homens dotados para dominar ou sugestionar as minorias, e as qualidade exigidas para esse fim não são as mesmas — são até por vezes contrárias — às que são exigidas para o governo da nação.
Se a transmissão de poderes da maioria para o governo tivesse nos dominadores e sugestionadores das maiorias, não o seu termo, mas um ponto intermédio — isto é, se os eleitos do povo fossem, não seus governantes, mas apenas os que escolheriam os governantes, eleitos não para governar mas para escolher —então se poderia admitir uma certa facilidade de acesso ao poder de homens competentes para exercê-lo. Não se pode porém esperar da fraqueza e do egoísmo humanos que os capazes de dominar empreguem essa capacidade simplesmente para fazer dominar outros; nem a vaidade que serve de base a toda a capacidade de domínio deixa de convencer o dominador da sua capacidade de governar também. O homem que domina multidões num comício facilmente se capacita que dominará números num orçamento. É um absurdo como lógica, natural como psicologia.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
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