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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

ESTÉTICA - The Spasmodics - Mostram bem a diferença entre génio e talento,

ESTÉTICA

The Spasmodics

Mostram bem a diferença entre génio e talento, entre um poeta nato e um homem culto com imaginação. A beleza esporádica abunda nos espasmódicos, de forma as vezes a perturbar o crítico. Belezas, porém, de todo, não as possui este género de poeta.

No homem culto e imaginativo a imaginação é da superfície. Assim escreve poesia querendo muito melhor geralmente do que o verdadeiro poeta. Sirva ,de exemplo o célebre desafio poético sobre o tema NILO entre Leigh Hunt, Keats e Shelley. O resultado foi que os sonetos produzidos foram na razão inversa do valor dos que os produziram: o de Leigh Hunt é o melhor, segue-se depois a alguma distância o de Keats e perto deste, mas ainda assim ainda mais fraco, o de Shelley. Shelley era aliás extremamente rápido e espontâneo na inspiração; veja-se porém em que deu quando quis escrever.

Sendo tão espontâneos era de esperar que os espasmódicos fossem bons líricos; é justamente o que não são. São os poetas líricos mais fracos da Inglaterra no século XIX.

É nisto que se nota a sua fraqueza: é nisto que se que a sua espontaneidade é a do superficial e não a do imaginativo repentista. Este é sempre um lírico. O espasmódico nunca o é.

Tão-pouco são poetas narrativos, nem satíricos, nem de género nenhum. São poetas de frases, algumas extraordinariamente belas, de epítetos, alguns estranhamente aptos — mais nada.

Analisando mais compreende-se que esse exclusivismo vem de uma facilidade em se adaptar o exterior no génio dos outros poetas, ou o que de formal bóia no meio artístico e literário; são realmente pasticheurs, mais ou menos hábeis. E o pasticheur é um homem que se adapta o pensamento ou sentimento de outro na sua forma. Se o adapta na sua essência não é já um pasticheur, mas um poderosíssimo intuitivo, que deve enveredar pelo caminho do drama, onde o seu génio deve ter lugar.

Essa imitação ou adaptação formal tem de resto seus limites. Se é muito exacta ou muito sustida, já não há imitação formal mas essencial, e temos portanto o intuitivo outra vez. Mas o que caracteriza os espasmódicos é que tem frases esplêndidas, epítetos geniais, rasgos sublimes que são jóias — de diferentes procedências — encastoadas em metal vil.

O que melhor escrevem é o soneto. (?)

1913?

Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.

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