Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Separados, teremos, cada um de nós, um sentido nacional;

Ibéria

 

Separados, teremos, cada um de nós, um sentido nacional; não temos sentido civilizacional. Poderemos existir mais ou menos digna e decentemente, como qualquer Bélgica ou qualquer Suíça, mas isso não é existência digna de que a ela se aspire. Valemos mais do que isso; temos direito a fazer mais que a existir.

 

A república portuguesa é o primeiro passo dado para a civilização ibérica. Não foi dado, é claro, conscientemente: os nossos republicanos são incapazes de qualquer actividade do cérebro anterior. Mas foi um passo que o Destino fez dar.

Deverá esse fenómeno repercutir-se em Espanha?... Na Catalunha deve ter tido efeito, porque foi o sacudir de um jugo; aparentemente talvez, mas são as aparências que impressionam o estrangeiro. Mas não está cada vez mais forte a monarquia espanhola? C> Destino o dirá. Forte e bem orientada começou a ser a monarquia portuguesa sob o governo João Franco, quando caiu moribunda.

Querer reimplantar a monarquia em Portugal é dos maiores crimes que se pode meditar contra a Pátria Portuguesa e contra a futura (ou possível) Civilização Ibérica. Nada importa investigar qual o valor de monarquia ou de república, em si, ou em relação aos países da Ibéria. É em relação ao conjunto ibérico que esse fenómeno político tem de ser analisado.

Para uma união ibérica de qualquer espécie, seja essa espécie qual for, três coisas são essenciais, e sem elas nada se poderá fazer, e antes de elas se fazerem é inútil pensar sem receio nosso em qualquer aproximação. Essas três coisas são: 1.º a abolição da monarquia em Espanha, 2.º a separação final da península nas suas três nacionalidades essenciais — a Catalunha, Castela e as províncias que conseguiu submergir na sua personalidade, e o estado galaico-português. É absolutamente impensável a solução do problema ibérico sem ser por uma federação; é impensável a federação com a constituição desigual, antinatural, viciosa e falsa, dos estados ibéricos actuais. Se os espanhóis não querem, como é natural, encarar de modo algum essa solução do problema, pedimos que nos desculpem de deixar de pensar no assunto.

Continuaria Castela a ter a sua preponderância ibérica, que passaria então a ser uma hegemonia adentro de uma espécie de federação. Não é natural, porque, uma vez quebrada a Espanha nas partes naturais que a compõem, a única razão para a hegemonia castelhana teria deixado de existir — e essa razão é a de perturbar o desenvolvimento natural da civilização ibérica. O grande inimigo da Ibéria é Castela.

Para a separação da península nas suas três nacionalidades naturais, só um caminho há a seguir. Se esse caminho for o que o destino traçou (o que ignoro), pode predizer-se como coisa certa a futura civilização ibérica. Esse caminho é a abolição da monarquia em Espanha. É a monarquia castelhana que une e liga as províncias separadas da Espanha. Cesse deveras a monarquia e Espanha cessará, porque é um estado artificial, imposto à natureza, e cujo destino acabou com a colonização da América Espanhola.

Se, porém, se não trata de uma amorfa amizade, mas de urna política definida, temos de ver como é que sociologicamente o problema se coloca.

s.d.

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.

 - 11.