(1) Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem…
(1) Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem só quando está em actividade — isto é, quando tem abertos os seus templos, ou o seu templo único, e realiza sessões e iniciações em ritual vivido [?]. Quando em dormência, ou vida latente e simplesmente transmissa, não é propriamente uma Ordem, mas tão-somente um sistema de iniciação, avanço e completamento. São os três termos que competem à conferição, por exemplo, dos três Graus Menores da Ordem Templária de Portugal.
(2) Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de «uma preparação especial, cuja natureza me não proponho indicar.» Essa frase escapou, e ainda mais o seu sentido possível, aos iledores anti-maçónicos. Só posso pois dizer que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito.
Ora é à luz dos conhecimentos que recebi pelos três Graus Menores da Ordem Templária que pude ler com entendimento livros e rituais maçónicos. Ausentes esses conhecimentos, estaria lendo às escuras.
A iniciação maçónica — que é uma iniciação do primeiro nível — é dada através dos rituais e dos símbolos; os discursos que acompanham o ritual nada conferem. Uns são propositadamente simples e triviais, para que o candidato, se é apto e digno, se vire d'eles para a parte vital do grau; outros são propositadamente confusos e contraditórios, para que obriguem o candidato, se nele há alma iniciática, a meditar, escolher, e, por fim, achar; outros são, como disse Pike (que escusava bem tê-lo dito) (...)
Segue de aqui que a leitura, por profanos, de rituais maçónicos, impressos ou manuscritos, os deixa no fim da leitura no mesmo estado de trevas em que estavam no princípio. Falta-lhes a luz com que dissipem essas sombras propositadas; o fio com que, espalhado no solo quando entram no labirinto, de novo os reconduza à entrada.
O entendimento dos símbolos e dos rituais maçónicos não pode ser obtido senão por iniciação directa, ou, excepcionalmente, por qualquer preparação espiritualmente equivalente que permita ao simples leitor de rituais visionar emotivamente as cerimónias, sentir no coração aquela vida própria com que os símbolos são almas. Fora d'isso há só uma noite sem madrugada.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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