Fernando Pessoa
Caminho a teu lado mudo
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado...
Perguntas, sim ou não, não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.
Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não sei, incerto
Num princípio não sei quê
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu largo e aberto —
É só a sombra do que é...
E lembro em meia-amargura
Do passado, do distante,
E tudo me é solidão...
Que fui nessa noite escura?
Quem sou nesta morte instante?
Não perguntes... Tudo é vão.
4-11-1928
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
- 101.