Fernando Pessoa
Há uma música do povo,
Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado —
Que ouvindo-a há um chiste novo
No ser que tenho guardado...
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...
E ouço-a embalado e sozinho...
É essa mesma que eu quis...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz.
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração...
Se uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acaba com um sentido!
9-11-1928
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
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