[Carta a Rogelio Buendìa - 20 Ago. 1923]
Dr. Rogelio Buendía,
Castelar, 6, Huelva.
Lisboa, 20 de Agosto de 1923.
Agradeço, meu prezado camarada, a oferta, com que acaba de me honrar, do seu livro «La Rueda de Color».
A sua arte meio-moderna, meio-japonesa, feita, em versos contemporâneos, do espírito miniaturista dos haikais, embalou um momento o que sonha em mim. Sem dúvida que a alma do fútil e do transitório, que sente que o é, enche, de sonho a realidade, a sua inspiração impressionista. Há uma razão para isto, como a haveria para o contrário. Toda a vida, porventura, cabe na impressão de um balão veneziano, ou de uma paisagem da China, vista numa porcelana transparente, nas tardes longínquas de um mandarim que nunca existisse. Viver a vida como se bebêssemos por ela uma bebida que entretém sem alimentar constitui uma das razões-de-ser do homem moderno. Mesmo o ser moderno, porém, vai sendo antigo. Felicito-o por se ter esquecido d'isto.
Guardo do seu livro uma absurda impressão de Oriente, provavelmente verdadeira. Sou um ocidental extremo, para quem o Oriente começa na fronteira de Espanha. Sou também o contrário d'isto — um ocidental extremo para quem, súbdito do mar e do céu, não há fronteira nenhuma.
É com este espírito de universalidade incerta que aprecio o seu livro, que, tendo-o lido, duas vezes lhe agradeço, pedindo-lhe que creia no aplauso e na estima do seu
camarada obscuro,
(a) Fernando Pessoa.
Apartado 147, Lisboa.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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