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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Em torno a mim, em maré cheia,

Em torno a mim, em maré cheia,

Soam como ondas a brilhar,

O dia, o tempo, a obra alheia,

O mundo natural a estar.

Mas eu, fechado no meu sonho,

Parado enigma, e, sem querer,

Inutilmente recomponho

Visões do que não pude ser.

Cadáver da vontade feita,

Mito real, sonho a sentir,

Sequência interrompida, eleita

Para os destinos de partir.

Mas presa à inércia angustiada

De não saber a direcção,

E ficar morto na erma estrada

Que vai da alma ao coração.

Hora própria, nunca venhas,

Que olhar talvez fosse pior...

E tu, sol claro que me banhas,

Ah, banha sempre o meu torpor!

26-4-1926

Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).

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