[Carta a Ophélia Queiroz - 11 Set. 1929]
Ophelinha:
Gostei do coração da sua carta, e realmente não vejo que a fotografia de qualquer meliante, ainda que esse meliante seja o irmão gémeo que não tenho, forme motivo para agradecimento. Então uma sombra bêbada ocupa lugar nas lembranças?
Ao meu exílio, que sou eu mesmo, a sua carta chegou como uma alegria lá de casa, e sou eu que tenho que agradecer, pequenina.
Já agora uso a ocasião e peço-lhe desculpa de três coisas, que são a mesma coisa, e de que não tive a culpa. Por três vezes a encontrei e a não cumprimentei, porque a não vi bem ou, antes, a tempo. Uma vez foi já há muito, na Rua do Ouro e à noite; ia a Ophelinha com um rapaz que supus seu noivo, ou namorado, mas realmente não sei se era o que era justo que fosse. As duas outras vezes foram recentes, e no carro em que ambos seguíamos no sentido que acaba na Estrela. Vi-a, uma das vezes, só de soslaio, e os desgraçados que usam óculos têm o soslaio imperfeito.
Outra coisa... Não, não é nada, boca doce...
Fernando
11/9/1929
Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994).
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