A MORAL DA FORÇA / ou coisa análoga.
A MORAL DA FORÇA / ou coisa análoga.
Devemos pôr de parte a ideia de haver uma só moral, porque, havendo, distintamente, três tipos de homens, não pode haver a mesma regra de vida para todos os três tipos. «A mesma lei para o leão e para o boi é tirania», disse Blake.
É curioso que a divisão vulgar da sociedade em aristocracia, classes médias (ou burguesia) e povo reflecte, embora por vezes artificialmente, esta divisão natural da chamada «humanidade» — coisa que não existe. E é de notar que é contra esta tríplice forma do homem que esbarra todo o preconceito de igualdade, toda a ideia de supor que, sociologicamente, existe «humanidade». A palavra humanidade significa tão‑somente «espécie humana»; é só biológica, e ninguém tem pois o direito de a empregar, porque não corresponde a um facto, em qualquer coisa de ordem social.
Os homens dividem‑se em três categorias: (1) os homens naturais, com instintos naturais, directos e simples; (2) os homens civilizados, com a transformação repressiva desses instintos, que todavia subsistem; (3) os homens condutores do mundo, em quem esses instintos são, ou abolidos, ou utilizados como não tendo importância, ou transubstanciados em superinstintos
É evidente que a estes três tipos não convém a mesma moral. Para o homem do povo, a coragem, a força, a vitalidade, e as virtudes ou qualidades que nelas assentam, são o sinal do bem. Para o homem das classes médias, a honestidade, a lealdade, (...) são o sinal do bem. Para o aristocrata, (...)
Povo: qualidades de vitalidade e energia — força directa.
Classes médias —
a ) qualidades de força harmonizadas, — honestidade, lealdade, bondade.
b ) qualidades de força constrangidas.
Aristocracia —
a ) qualidades de força abolidas,
b ) qualidades de força relegadas a um segundo plano,
c ) qualidades de força transubstanciadas.
Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).
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