Fernando Pessoa
II - Dói viver, nada sou que valha ser.
II
Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.
Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nada do que foi sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.
Assim, nocturna, a áreas indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,
E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.
24-9-1923
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
- 49.“Poemas dos Dois Exílios”.