O nacionalismo é um patriotismo activo.
O nacionalismo é um patriotismo activo. Pretende defender a pátria das influências que possam perverter a sua índole própria, venham essas influências de dentro, como certos regionalismos, venham de fora, como certos extrangeirismos ou internacionalismos. Há porém regionalismos que não só são inofensivos mas proveitosos à nação; há também influências estrangeiras e internacionais que são úteis e aproveitáveis. O caso é que umas e outras sejam assimiladas, isto é, convertidas na substância da índole nacional.
Um exemplo, tirado do campo concreto da linguagem, tornará inteiramente claros estes conceitos que, por abstractamente postos, são necessariamente pouco perspícuos.
No Norte, ou pelo menos, no Minho, chama-se loquete ao que em português geral se chama cadeado. Não resulta senão desvantagem de admitirmos esse sinónimo inútil, (...) e obscuro para o Português em geral, no uso corrente da língua comum, falada ou escrita. E, em miniatura, o caso do regionalismo anti-nacional. No Alentejo e no Algarve pronuncia-se én o EN que fora d'essas regiões pronunciamos ân. Se se pudesse introduzir este hábito na linguagem falada de nós todos seria uma vantagem, pois não há senão desvantagem em que EN se pronuncie do mesmo modo que AN, de sorte que surja a confusão absurda entre, por exemplo, sanha e senha. É este, em miniatura, o caso do regionalismo nacional.
Certas palavras estrangeiras — como football e soirée — são inter[na]cionais, pois que em todas, ou quase todas, as línguas se empregam em sua forma original, sem tradução. Temos o caso do internacionalismo anti-nacional. Contrariamos a índole da nossa língua introduzindo nela termos estrangeiros, que forçosamente desfeiam o discurso; contrariamos a índole da sua pronunciação, pois ou o leitor os pronuncia bem e está falando outra língua em meio do português, isto é, está falando duas línguas ao mesmo tempo, ou os pronuncia mal e se dá o mesmo caso com ainda maior fealdade. O critério nacionalista é o de empregar o termo legitimamente português para a palavra internacional, ou simplesmente estrangeira, que, por haver já esse termo, inútil e desproveitosamente importámos; e fabricar uma palavra nova, de índole bem nossa, para a palavra estrangeira de que não tivéssemos equivalente. Assim, nos dois casos do exemplo, diríamos velada (que já tínhamos) em vez de soirée, e para football fabricaríamos bolapé, ou pedibola ou coisa parecida.
Quando porém a palavra internacional, ainda que de origem estrangeira, se integra naturalmente na nossa índole e o seu uso corresponde a uma necessidade cultural, seríamos anti-nacionais se proscrevêssemos o seu emprego. Recusar-nos-emos a nos servir da palavra neurastenia, porque a devemos ao médico americano Beard? Repugnaremos a palavra (...)
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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