Não sei se houve alguma vez espírito especulativo ou curioso...
DOIS RITMOS
Não sei se houve alguma vez espírito especulativo ou curioso que tentasse distinguir as civilizações antigas das modernas — entendendo por antigas a grega e a romana apenas — pela diferença dos sistemas rítmicos empregados no verso.
O facto de que os gregos e os romanos usavam do sistema quantitativo para a medida de seus versos, quando os povos modernos se servem do sistema acentual e da rima tem por certo um sentido de distinção.
Por fácil que se tornasse pelo hábito de assim escrever, certo é que o ritmo quantitativo é muito mais difícil de usar que o ritmo acentual.
A civilização greco-romana tornava difícil a vitória; nós tornamos fácil o fingimento dela.
Para fazer versos em grego ou em latim é preciso muito mais esforço que para fazê-los em qualquer língua moderna.
A barreira da quantidade tem seu par na barreira da servidão.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença,
1994.
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