[Carta ao Presidente da República - a]
Com uma de duas qualidades — de duas só — se afirma um homem chefe de um povo, comanda um homem a massa indistinta e informe da nação. São elas o poder oratório e o prestígio militar — a eloquência de um António José de Almeida, a bravura de um Sidónio Pais. Às qualidades de inteligência, por grande que seja, de trabalho, por intenso que possa ser, a essas e a outras, de menor relevo público, como a honestidade, a virtude, o patriotismo, encolhe o povo os ombros, sem sequer pensar em respeitá-las; deixa-as na sombra a que naturalmente pertencem. Convém não esquecer, Senhor Presidente, que uma nação é um teatro e um governo um palco: ninguém comanda a alma de um povo se não tiver nascido, ou se não fizer, actor. É essa a razão do prestígio orgânico da monarquia: o rei nasce no palco e é educado, desde a infância para estar e representar nele.
Pode a eloquência ser oca, a bravura postiça: o caso é que uma se ouça e a outra se veja.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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