A LÍNGUA «AMERICANA».
A língua «americana».
Imagine o leitor que, referindo-se a um grupo de gente aparentemente alegre e foliona que afinal induzisse ao tédio, o Diário de Notícias dizia, em fundo, «Esta maltosa de rambóias não produz senão chatice». Que entenderia nisto o leitor descaloado? Que um extracto de malte, obtido pela decocção das folhas de uma árvore chamada rambóia, produz simplesmente qualquer espécie de emagrecimento, presumivelmente a cura da obesidade.
Em iguais circunstâncias interpretativas se encontra a maioria dos ingleses perante o fraseado dos periódicos americanos, e mormente dos que se destinam aos grandes públicos.
Assim como têm vindo substituindo a música europeia pelos jazzes e não sei que mais dos negros, e as humildes valsas de compositores alvos conhecidos pelas produções de Strausses pretamente incógnitos, assim também à riqueza e à majestade antigas da língua inglesa têm vindo a antepor, na falsa energia de um ataque epiléptico verbal, um calão pitoresco e convulsivo.
E o pior é que o calão envelhece e passa depressa, como as estrelas de cinema, e quem se entendia pelo calão do equinócio da primavera já se não entende pelo do outono, dado o estabelecimento muito próprio de uma terra de sociedades secretas, de asneira-de-passe semestrais.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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