[Carta ao Presidente da República - c]
Um homem que, tendo que presidir a uma distribuição de prémios literários, abre a sessão com um discurso em que enxovalha todos os escritores portugueses — muitos d'eles seus superiores intelectuais — com a fútil imposição de «directrizes» que ninguém lhe pediu nem pediria, e que, pedidas que fossem, ninguém poderia aceitar por não compreender quais sejam — esse homem, que assim, com uma inabilidade de aldeão letrado, de um só golpe afastou de si o resto da inteligência portuguesa que ainda o olhava com uma benevolência, já um pouco impaciente, e uma tolerância, já vagamente desdenhosa, não tem sequer o prestígio limitado que lhe permita governar uma república aristocrática, a aceitação de uma minoria que, ainda que praticamente inútil, fosse teoricamente inteligente.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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