Por carácter (em grego ethos) entendo a manifestação social...
Por carácter (em grego ethos) entendo a manifestação social da individualidade. A individualidade manifesta‑se de três maneiras, seguindo as três divisões radicais (não importa agora analisá‑las) da inteligência, sensibilidade e vontade, ou, se melhor julgarem, desejo — a faculdade pela qual nos exteriorizamos. É a esta que se liga o carácter, que é, já o dissemos, a manifestação social da individualidade. Dos outros dois elementos, a sensibilidade é extra-social, porque só ao indivíduo pertence e só a ele Ihe importa, e a inteligência é supra-social, visto estar em relação com um meio mais largo do que o indivíduo, com um meio intenso a que não põe limites o espaço, e que o tempo não encadeia.
Mas a inteligência, a sensibilidade, perguntarão, não pertencem ao carácter? Pertencem e não pertencem. Uma coisa é carácter; outra é individualidade.
(A individualidade tem 3 formas de se manifestar).
O homem, um ser qualquer — é um modo‑de‑sentir posto diante de uma matéria qualquer, em si desconhecida, da combinação da qual com esse modo‑de‑sentir resulta uma representação, idêntica na generalidade, diversa nos detalhes, em todos os homens, em todos os seres, (especialmente nos da mesma natureza).
Há pois em cada homem:
(1) Uma percepção universal em natureza da realidade, que ele tem de comum com os animais, com tudo que é consciente.
(2) Uma percepção geral do mundo que ele tem de comum com os homens ou seres da sua espécie.
(3) Uma percepção particular que não tem em comum que lhe é especial a ele, a cada homem — em cada um diversa.
Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).
- 194.